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Clarissa Fernandes: assinada lei que reconhece oficialmente a Língua Brasileira de Sinais em Ouro Preto
Em uma cerimônia marcada por emoção e saudade, a Prefeitura de Ouro Preto realizou na última segunda-feira, dia 6 de março, no auditório Arthur Versiani Machado, a assinatura da lei Clarissa Fernandes, reconhecendo oficialmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em Ouro Preto.
A iniciativa recebe o nome da professora de Libras do Campus Ouro Preto e ativista da causa surda, que faleceu em setembro de 2021, vítima de um acidente de trânsito. O documento visa garantir a implementação de políticas públicas voltadas ao direito da comunidade surda do município.
Projeto construído a muitas mãos
Com autoria do vereador da Câmara de Ouro Preto Matheus Pacheco, o projeto de lei nº 470/22 foi construído em parceria com o Movimento Bilíngue de Minas Gerais e com a participação da própria docente.
No mesmo sentido, tramita na Câmara de Belo Horizonte, desde o ano passado, projeto de lei que oficializa Libras e outros recursos de expressão a ela associados como língua de instrução e meio de comunicação da comunidade surda no município. A iniciativa, de autoria da deputada federal Duda Salabert, à época, vereadora na capital mineira, também contou com a participação de um grupo da comunidade surda de Belo Horizonte, do qual a professora Clarissa fazia parte.
Para o vereador e autor da lei em Ouro Preto, Clarissa era uma mulher de fibra, coragem e entusiasmo. “Tive a oportunidade de ser seu aluno [no IFMG]. Acompanhando todo esse processo de construção da lei em BH, não poderíamos deixar de fazê-lo aqui, na nossa cidade. É um projeto que tenho certeza de que será replicado em muitas câmaras em nosso estado. Precisamos fazer com que essa pauta possa fazer parte do nosso cotidiano”, ressalta.
Durante a solenidade, Duda Salabert contou que Clarissa a transformou profundamente, apesar dos poucos encontros presenciais que teve com a docente. “A política é um espaço muito duro, muito frio. Vamos ficando insensíveis para as coisas diante de tanta crítica, tantos problemas. No dia trágico [do acidente], eu chorei muito, e fazia anos que não chorava. De lá pra cá, todas as vezes em que chorei, foi por causa de Clarissa”, conta a deputada, que destacou, ainda, o equilíbrio entre força e doçura sempre tão presentes na professora: “Das ativistas que conheci, talvez tenha sido uma entre as de maior força. Ela tinha uma luta construída que se endureceu, mas sem perder a poesia, o humor, que era a marca dela. Ela continua me ensinado, pois eu me inspiro nela”.
Reconhecimento e homenagens
Uma sequência de homenagens à professora integraram o evento, com a exibição de vídeos retratando a trajetória de vida e de luta de Clarissa Fernandes. O primeiro, produzido pela intérprete de Libras do campus, Luana Dias, conta com um depoimento da própria Clarissa, colhido no ano passado. Na sequência, foi exibido o vídeo “Poesia Clarissa para sempre”, com autoria de Hélio Alves e Vanessa Prata.
Na oportunidade, Luana Dias destacou a importância de se criar oportunidades para que todo o potencial da pessoa com deficiência seja explorado. “Clarissa teve a oportunidade de ser tudo quanto ela foi, e ela seria muito mais, a gente sabe. Gostaria que vocês pensassem quantas vezes recebemos, em sala de aula, crianças com potencial enorme, como o da Clarissa, e que precisam de uma oportunidade para se desenvolver”, pontuou. A intérprete destacou, ainda, a necessidade de se romper barreiras atitudinais para que a nova lei, bem como a legislação já existente, possam, de fato, contribuir para a criação de ambiente propícios ao desenvolvimento da comunidade surda.
Representando os alunos da docente homenageada, Giovana Fagundes relembrou como era o convívio com Clarissa e o impacto de sua atuação na vida dos estudantes, dentro e fora de sala: “Descrever essa incrível pessoa é quase impossível. Foi uma mulher batalhadora e ativista, que sempre lutou pela garantia dos direitos da comunidade surda e pela inclusão da educação bilíngue dos surdos. Acompanhando seu trabalho, aprendemos o real sentido da inclusão”.
O diretor-geral do IFMG - Campus Ouro Preto, Reginato Fernandes, ressaltou a importância da nova lei para o fortalecimento de políticas públicas do município, em especial, para a comunidade surda: “Sabemos que inúmeros obstáculos ainda existem quando falamos de acessibilidade, por isso, ter um amparo legal contribui muito para a construção de políticas sólidas e institucionalizadas. Ouro Preto é uma cidade de lutas, e o reconhecimento da professora Clarissa é muito merecido, pois foi uma lutadora. Sua breve passagem por essas terras não foi em vão”.
O prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo, também enfatizou a necessidade de se implementar políticas públicas que visem à inclusão: “Vivemos no Brasil uma sociedade excludente. Incluir é uma prática que temos que adotar em tudo, todos os dias. Estamos em um processo de inclusão que é coroado por esta história de vida de luta da Clarissa Fernandes”.
Orgulho
A cerimônia contou com a presença de familiares da professora. Para Marco Túlio, filho de Clarissa, a sanção das leis em Ouro Preto e em Belo Horizonte é motivo de orgulho. “Tudo isso mostra pelo o que minha mãe lutou esses anos todos”, afirma.
Décio Jarbas, pai da docente, celebra a luta de Clarissa: “A gente não conhecia a comunidade surda. Do surdo, a um tempo atrás, ninguém queria saber. Fico muito feliz por ela ter participado desse processo. Nossa gratidão por ela ter se empenhado nessa luta. Agradecimento especial à Duda e ao Matheus, autores das leis que levam o nome da minha filha”.
Clarissa Fernandes
Clarissa Fernandes das Dores perdeu a audição ainda na infância, aos dois anos de idade. Aprendeu a ler e a escrever aos cinco, e teve o hábito da leitura incentivado pela mãe, então professora de português. Também aos cinco anos usou pela primeira vez um aparelho auditivo e, aos 15, ao entrar em contato com a comunidade surda, aprendeu Libras.
Mestre em Educação pela UFOP e graduada em Letras-Libras pela UFSC, ingressou no IFMG - Campus Ouro Preto em 2011 como a primeira docente de Libras da Instituição. Foi também membro do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas do campus, ativista e representante do Movimento da Educação Bilíngue de Surdos.
“ Impossível não gostar do IFMG - Campus Ouro Preto que é, para mim, a minha segunda casa, pois vivo longe da família e sempre estou aqui onde tem o melhor ensino; onde diversidade, cultura e inclusão de fato se fazem presentes, onde há zelo e dedicação pela educação, onde estão os melhores profissionais que têm paixão e respeito pela profissão, pelo trabalho e pelo campus, que compartilham conhecimentos com os alunos para que possam ser profissionais que valorizem e respeitem o outro e os saberes construídos neste espaço educacional.”
Maio/2020
Clarissa Fernandes das Dores
Professora (Libras)